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A Nova Geração do Jazz – Parte I: Esperanza Spalding e Robert Glasper

No fim do século XIX, surgia nos Estados Unidos o Jazz. Em mais de 100 anos de história, muita coisa aconteceu (Miles Davis aconteceu) e o Jazz encontrou muitos caminhos e públicos. Ainda vivo, o Jazz, que me recuso a chamar de estilo musical, encontra em alguns jovens artistas fôlego para continuar existindo, encantando e “musicalizando” o mundo. Nesta série de artigos buscamos artistas que têm escrito seus nomes na história dessa arte de improvisação e que tem mantido o Jazz como forma artística única.

Esperanza Spalding

Esperanza_Spalding
Reprodução

2011. Se popularizava um dos mais famosos artistas pop do século. O então menino Justin Bieber. Para fechar com chave de ouro sua entrada triunfal no show business, só faltava a Bieber uma coisa: o Grammy de artista revelação. A indústria não esperava que uma jovem negra formada em Berkeley (uma das faculdades de música mais prestigiadas do mundo) fosse, merecidamente, tomar esse Grammy de Bieber. Ela foi lá e fez, desbancando além de Bieber, Mumford & Sons, Florence and the Machine e Drake.

Com um ar jovial, doce e belo, quem vê pela primeira vez Esperanza pode achar que seu sucesso vem dos atributos extramusicais, como acontece muitas vezes no show business. Grande engano. Esperanza, com 33 anos, une uma excelente técnica no baixo acústico com uma voz suave. O contraste que surge do grave do baixo com o agudo de sua voz encantou o mundo do Jazz e mostrou que a nova geração de músicos tem um enorme potencial.

Esperanza conseguiu o que nem todos conseguem no mundo do Jazz: trazer elementos de diversos estilos musicais para dentro do Jazz. Em suas músicas é possível perceber a influência da música africana, do hip-hop, da canção americana e, não sendo boba nem nada, da música brasileira, em especial Milton Nascimento.

Tocando Miltinho assim, não tem como não ganhar Grammy e nossos corações. Esperanza, que é completamente fluente em português, diga-se de passagem, criou uma linha de baixo nada simplificada pra interpretar uma das maiores obras primas da música mundial: Ponta de Areia. Em sua versão, a música mineira ganha requinte jazzístico e improviso de excelentes músicos, mas sem perder a sua essência melódica. Referência (endeusado) em todo o cenário musical, Milton Nascimento também é uma forte referência para a artista americana, juntamente com seu parceiro de outros carnavais Wayne Shorter.

Com 6 discos em sua discografia, Esperanza Spalding vai do jazz vocal ao R&B, passando por Minas Gerais e o Jazz vanguardista, isso sem nunca deixar de lado as raízes e o sotaque do Jazz. Um álbum prestigiado da musicista e cantora é o Radio Music Society, que contou com grandes artistas: Terri Lyne Carrington, Jef Lee Johnson, Lionel Loueke, Joe Lovano, o lendário Jack DeJohnette e a excelente Lalah Hathaway. O excelente time, com certeza contribuiu para que o álbum ganhasse o Grammy de Melhor Álbum de Jazz Vocal.

Recentemente, a musicista lançou o excelente álbum Exposure, que conta com a participação do próximo artista citado aqui: Robert Glasper.

Robert Glasper

Robert Glasper
Reprodução

Esse leva leva o bastião do Jazz, viu? Esse menino de 39 já tem grandes feitos na arte musical, como Grammys e álbuns sólidos. Desde que eu o ouvi tocar So Beautiful, decidi coloca-lo sob vigilância.

Se a melodia e a harmonia dão uma beleza muito particular na música, aos 03:39, na primeira frase do solo, Robert Glasper entrega de vez sua descendência jazzística, com um fraseado com toda a escala bem característica dessa expressão artística.

Canção do artista americano Musiq Soulchild, com o trio de Glasper, So Beatiful deixa de lado o R&B e o Rap e se transforma numa balada jazzística com pé tanto no tradicional quanto no atual, com uma bateria sincopada e gravações de voz no meio da música.

Pegando uma canção e transformando em Jazz, já dá pra perceber que Glasper não é um cara convencional. Mas a importância dele no meio vai muito mais do que mesclar vários estilos musicais dentro do jazz. Apesar de gostar bastante de sua técnica e do fraseado no piano, Glasper está nessa lista por ser um artista que não deixa de experimentar novos rumos. O Jazz respira experimentação e inovação. E Glasper não só sabe disso como está a todo tempo propondo isso.

Reprodução

Não se atendo a um padrão ou estilos, o artista vai desde o R&B até beirando o Free Jazz. Porque não misturar Pop, Bossa Nova, Jazz, Rap e colocar Miles Davis no meio?

Miles Davis?? …Porque não? Em Everything’s Beautiful ele divide os créditos com ninguém menos que… Miles Davis. Quando ouvi dizer que o artista usaria material da maior lenda do Jazz senti uma mistura de ousadia herética com uma curiosidade excitante. Mas devo confessar que os caminhos escolhidos por Glasper extrapolaram minha imaginação. Longe de ser um remix, mais do que uma revisitação, Glasper recria. É um álbum delicioso de escutar. É uma obra cheia de swing, bons arranjos e grandes artistas como John Scofield (John “Desconfield”) e ninguém menos que Stevie Wonder (Stevie Maravilha), que por sinal nos presenteia com um daqueles solos ridículos de gaita que só ele consegue. Só Miles Davis não bastava? Bem, se a ideia era criar se inspirar em Miles, não tinha como deixar de fora grandes músicos.

Ainda vinculado com o grande nome do Jazz, Robert Glasper trabalhou na trilha sonora do filme dirigido e atuado por Don Cheadle, Miles Ahead, traduzido estranhamento na versão brasileira para A Vida de Miles Davis. Nome que faz todo o sentido em inglês, mas acaba se perdendo nas terras de Gretchen. Mas isso é outro assunto. Na trilha sonora do filme Glasper acaba tendo que, mais do que nunca, misturar as mitológicas músicas de Miles com elementos contemporâneos e até mesmo compostos por ele mesmo. O trabalho desafiador consegue gerar um resultado muito bom na composição narrativa do final. A cena final do filme, não deixa de ser uma grande celebração de Miles Davis, do Jazz e essa mistura do atual com o tradicional:

Esperanza tá aí, claro. Wayne Shorter não perdoa nada no solo. Muitíssimo menos Herbie Hancock. Antonio Sanchez… a melhor bateria da atualidade… (ouvi um amém?). Maravilhoso. O Jazz está vivo.

Robert Glasper gosta de experimentar e ser o diferentão, com todos os méritos disso. Mas também propõe belas harmonias e improvisação. Seja tocando Smells Like a Teen Spirit, ou brasilidades, seja de forma atonal ou polirrítmica, Glasper e Esperanza não perdem as essências fundamentais do Jazz: improvisação, liberdade, união, respeito e a individualidade.

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