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Me Chame Pelo Seu Nome: maturidade e eruditismo no norte da Itália

O diretor italiano Lucas Guadanigno dá uma aula de boa direção em Me Chame Pelo Seu Nome. Através de uma história de amor, o cineasta discorre sobre eruditismo e arte através do roteiro adaptado de livro homônimo.

Um ponto crucial no contexto da História da Arte é a perfeição, tanto buscada pelos escultores gregos. Praxiteles, um dos mais influentes escultores da geração do século IV antes da Era Comum, atingiu um certo patamar dessa perfeição que ultrapassava o puro conceito de representar perfeitamente o corpo humano como ele é. Ele chegou ao ponto de buscar a perfeição como meta daquilo que se idealiza, além do que a natureza nos apresenta. Me Chame Pelo Seu Nome trata precisamente dessa questão.

“Hermes” de Praxiteles, segurando o pequeno Dionísio

Nas palavras de Ernst Gombrich, “Na época de Praxiteles, (…) os estilos antigos passaram a se mover e respirar sob as mãos do escultor habilidoso, e ele nos são apresentados como seres humanos reais, mas ao mesmo tempo como seres vindo de outro mundo, um mundo melhor. (…) A arte, naquele momento, havia atingido um ponto no qual o típico e o indivíduo eram apresentados por um balanço novo e delicado”. (A História da Arte; Gombrich, Ernst; p. 64)

O personagem de Oliver em Me Chame pelo Seu Nome, é apresentado como a perfeição já atingida. Interpretado por Armie Hammer, ele representa o padrão de beleza cultural do Séc. XX. Loiro, de corpo esculpido, branco. Padrões de beleza propagados por uma indústria de imagens dominante, a americana – nacionalidade de Oliver. A perfeição do visitante americano é recebida e percebida inicialmente por todos os personagens, como o casal de professores que hospedam o visitante americano para uma temporada de verão na região de Crema, norte da Itália. Mas é Elio, interpretado pelo impressionante Timothée Chalament, o jovem filho dos professores, que desenvolve a maior obsessão por Oliver.

Sob a luz natural da geografia italiana e a arquitetura têxtil de construções rústicas, o filme de Luca Guadagnino ambienta-se no universo erudito criado pelos professores. É nesse universo que Elio tem o privilégio de viver, rodeado por natureza, liberalismo, literatura e arte. O jovem passa seus dias, nas suas próprias palavras, lendo e copiando notas musicais. Aos 17 anos, ele é um artista em formação. E, assim como os escultores da geração de Praxiteles, ele representa a figura do artista que busca a perfeição, para depois buscar o algo a mais.

Guadagnino demonstra sua maturidade como diretor logo nos primeiros minutos da obra, quando impõe um fluxo acelerado, de cortes rápidos e planos diretos, para logo depois ir reduzindo tal fluxo para que a complexidade dos sentimentos de Elio sejam compreendidas com mais clareza. A paixão pode nos atacar como um raio, já o amor é um processo construtivo. Para espectadores da era da publicidade de 5 segundos, desacelerar o ritmo de um filme de 140 minutos requer um cuidado incalculável, que talvez só introduzindo claramente a missão da personagem central pode permitir. Em menos de 20 minutos de filme, percebe-se que a missão de Elio é compreender, experimentar e explorar toda aquela perfeição.

Mas, com a confirmação e sobriedade da reciprocidade do interesse de Oliver, nasce a questão: e depois de atingida a perfeição? Questão que começa a ser respondida, sabiamente, a medida que a aproximação dos dois personagens cresce. O conceito de perfeição, é relativo. Começa-se então uma desconstrução da perfeição de Oliver. De arrogante e egocêntrico, ele começa a ser amigável e comunicativo. Em uma maravilhosa cena em que a própria questão da interpretação artística é discutida através da música de Bach, Hammer passa boa parte do plano fixo posicionado com a perna a frente, forçando a sua musculatura, numa posição literalmente escultural. Porém, até seu corpo mostra suas imperfeições, quando ele sofre um acidente de bicicleta e fica com um enorme hematoma. Ao mesmo tempo, a figura de Elio começa a crescer. Ele se mostra confiante e sábio, pronto para desafiar a obra que é Oliver. A complexidade da relação dos dois já traz tanta carga emocional, que na cena em que Elio se declara para Oliver, o diretor nos mostra algo raro no cinema contemporâneo: que a arte cinematográfica não precisa exclusivamente de feições para comunicar emoções. O som, a imagem, a narrativa, são linguagens que podem muito bem fazer esse trabalho. Trata-se de um plano sequência em que Elio está de costas para a quarta parede, Oliver está no fundo do quadro e o som é equalizado ignorando as distâncias.

O que foi citado no parágrafo acima, é só mais um aspecto que alimenta o tema central do filme, que é o eruditismo da arte. Inúmeras referências sustentam essa afirmação, demonstrando um cuidado e carinho enorme do diretor com sua obra. Referências como a relação do corpo humano com a natureza podem ser vistas quando na primeira metade do filme a grande maioria de cenas que mostra partes do corpo é em plena natureza, incluindo a cena de sexo entre Elio e Marzia; a constante presença cenográfica de portas e janelas, símbolos da arte arcaica asiática e do conceito da arte “como janela para o mundo”, e em momento crucial do filme, quando se discute sexualidade, Oliver sai pela mesmo porta que Marzia entra; planos puramente artísticos e plásticos espalhados pelo filme, a quina do terraço de concreto sobre a natureza, as profundidades de campo dentro e fora da casa.

Tal eruditismo é também representado por uma figura emblemática, representada por um dos atores de maior maturidade para narrativas dramáticas do século XXI, Michael Stuhlbarg (“Um Homem Sério”),  que representa o Professor Perlman, pai de Elio. Arqueólogo, entusiasta de arte grega, é o personagem mais consciente do filme. Mesmo como mero coadjuvante, no final do filme revela-se como um grande espectador e até mentor da experiência vivida pelo filho. Em uma conversa metafórica, discorre sobre os limites da sexualidade e a estética do amor em si. Uma conversa entre apreciador e artista. Um diálogo que ainda aproveita para, não criticar, mas apontar o conservadorismo como mera poeira dentro do universo intelectual.

Quando Elio finalmente prova da perfeição de Oliver, ele se decepciona, assim como Praxiteles e sua geração, que queriam o algo a mais. E sua decepção é imediata. A troca de papéis, é clara. Agora, Oliver é um simples mortal, sorridente e apaixonado, e Elio é o artista que dominou a sua arte e está pronto para as inovações futuras. Mas o artista é criatura de sentimentos à flor da pele, e a obra é continuação de seu ser. Quando Oliver não mais existe em sua vida, Elio sofre, mas cai de pé. O americano, no entanto, tem outro destino. Concluído o processo da desconstrução de sua perfeição, na cena final, ele sequer tem imagem, é apenas voz. Uma voz tristonha, que conta para todos que vai se casar. Ao ouvir de Elio que seus pais sabiam do envolvimento dos dois, a voz comenta que seu pai o internaria se soubesse sobre sua sexualidade. É patético, é triste, é imperfeito. Luca Guadagnino conclui o filme com um longo plano de Elio lacrimejando sob a luz da lareira, enquanto a vida continua se passando atrás de si. Apenas o começo da jornada do jovem artista. Uma sequência do filme já foi anunciada e deve acontecer em 2021.

 

 

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