Do Inferno com certeza é uma das obras mais brilhantes de Alan Moore, talvez seja sua obra prima. Foram 10 anos produzindo essa HQ, de 1989 a 1999. Todo esforço que Moore e o desenhista Eddie Campbell tiveram para escrever esse enredo está devidamente copilada em quase 600 páginas de uma belíssima edição de 28,4cm por 21,4cm e que pesa 1,7kg da Editora Veneta. Mas o que vale ressaltar desta versão são as 76 páginas de apêndice ao final, onde Moore detalhe todas as suas referências e pesquisas de praticamente todas as páginas da graphic novel. Se esta última informação não é motivo suficiente para você começar a ler Do Inferno, vamos aos outros motivos.
Enredo
Você com certeza já ouviu falar do Jack, o Estripador, o famoso serial killer que matou e também removia os órgãos de diversas prostitutas em Londres no final do século XIX. É sobre ele que Do Inferno trata. Porém, o que faz desta obra tão sublime é a criação de todo um enredo que tenta explicar a causa para que o famoso assassino tenha vitimado de forma tão bizarra mulheres na periferia de Whitechapel.
Até hoje não se sabe quem foi Jack, o Estripador. Esse nome, inclusive, foi encontrado em uma suposta carta enviada pelo serial killer. Acredita-se que esta carta foi forjada pelos jornalistas da época para fazer com que as pessoas se interessassem mais pelo caso e consequentemente, vendesse mais jornais. Outra, tinha como remetente o seguinte dado: “Do inferno”. Esta, chegou ao Comitê de Vigilância de Whitechapel com metade de um rim humano preservado, possivelmente retirado de uma das vítimas. São cinco os assassinatos confirmados e que de alguma forma podem estar conectadas entre si. Cinco prostitutas mortas entre 31 de agosto a 9 de novembro de 1988.
Com uma lista de mais de 100 suspeitos, o caso até hoje permanece sem solução e envolto de mistérios. E como bem sabemos, este é um terreno fértil para diversos autores dramatizarem o famoso caso de Jack Estripador. E Alan Moore foi um desses.
Ao final da década de 1970, uma teoria sobre as causas e a identidade do assassino começou a se tornar popular. Stephen Knight propõe que as mortes estão ligadas à Coroa Britânia e que elas são uma tentativa de ocultar o nascimento de um bebê real ilegítimo do Príncipe Alberto Vitor, neto da Rainha Vitória. Toda esta conspiração estava conectada com a Maçonaria e com a própria Rainha. Esse já era conteúdo suficiente para que Moore pudesse fazer suas adaptações e ser inspirado a criar sua própria teoria.
Moore é conhecido por criar mundos e personagens espetaculares. Estamos falando aqui de Watchmen, V de Vingança, Miracleman, Liga Extraordinária e muitas outras obras. Mas o que faz Do Inferno ser brilhante é que praticamente todos os seus personagens são reais, assim como os acontecimentos. O toque de maestria de Moore está na maneira como o enredo se desenvolve, como o investigador Frederick Abberline não consegue alcançar Jack, que na obra de Alan Moore é um dos suspeitos reais do crime, o médico Sir William Gull.
O envolvimento da Maçonaria e da Rainha Vitória nos crimes é apresentado de forma magistral, já que todas as conexões pensadas por Moore fazem muito sentido não apenas para o enredo, mas para uma suspeita real da relação entre todos esses elementos. Para completar, as justificativas de Moore nos apêndices nos faz crer que esta pode ser a razão para que o crime até hoje não tenha sido solucionado.
Traços
Uma HQ nunca é apenas o enredo, até porque se fosse assim, todo quadrinho poderia ser um livro. O que torna Do Inferno uma obra de alta apreciação são os desenhos de Eddie Campbell. A graphic novel inteira não é colorida. Os traços escuros e ríspidos trazem o clima e a ambientação de uma Inglaterra vitoriana, marcada pela consolidação da Revolução Industrial, da hegemonia britânica na Europa e pelo começo da “Belle Époque”.
Além disso, seus traços nos remetem as pinturas produzidas no período e principalmente aos quadros de Walter Sickert, pintor envolvido no famoso caso de Jack, o Estripador. Acredita-se que o artista tenha conseguido acesso ao quarto usado pelo assassino para fazer experimentos em suas vítimas. Inclusive, na obra de Knight, que inspirou Moore a criar Do Inferno, Sickert é suspeito de ter sido forçado a acompanhar Jack em seus assassinatos. Algo que Alan Moore não fez, já que seu papel na obra é menor do que no livro de Stephen Knight. Obviamente, Walter Sickert também é um dos suspeitos de ser Jack, o Estripador.
Os desenhos feitos por Campbell também é uma excelente forma de viajar no tempo e visitar diversos lugares famosos e importantes de Londres. A precisão do desenhista é de impressionar. Houve um cuidado em recriar os pontos da capital inglesa e também para reproduzir fielmente todos esses personagens que existiram há 100 anos antes do lançamento da primeira edição de Do Inferno.
Aos céus
O que faz Do Inferno estar em uma outra categoria de quadrinhos é que ela é um primor e um exemplo de uma HQ bem produzida. O enredo é envolvente, os desenhos são espetaculares e a base que esses dois elementos se apoiam é bem estruturada. Todo o trabalho de pesquisa feito por Moore, munido pela reprodução fiel de um mundo do passado feito por Campbell fazem desta obra algo esplêndido.
Crimes como o caso de Jack, o Estripador nos atiçam a curiosidade, nos fazem imaginar e nos remetem à própria natureza humana. Nos fazem refletir sobre até que ponto o ser humano pode chegar para defender outro. Também nos faz pensar como um indivíduo pode fazer tamanha barbárie com outro. São esses os sentimentos que Moore e Campbell conseguem reproduzir nas 572 páginas publicadas de Do Inferno.
Até pode ser que este crime permaneça não solucionado e suas vítimas não tenham justiça. Porém, tal obra pode ser a palavra final sobre um caso que pode nos dizer bem mais sobre quem somos do que sobre quem foi Jack, o Estripador.