Em Exposure, Esperanza Spalding sofistica tanto seus aspectos musicais, quanto seu curioso processo de divulgação. Exposure, pelos méritos artísticos e de promoção, já pode ser considerado como referência em muitos sentidos. Com uma base conceitual forte, bons músicos e noção exata de seu potencial, Esperanza cria um álbum muito genuíno.
A Estratégia
A produção de um álbum musical muitas vezes pode passar desapercebida aos ouvidos de um público médio. É um processo que abarca situações não tão glamurosas pra quem vai se deparar já com o produto final, como ensaios, erros, mudanças e imprevistos de todos os tipos. Isso quando não está praticamente na mão ou na cabeça de apenas um ou poucos produtores, algo frequente hoje em dia.
Assim, as gravações chegam ao grande público já em vias de aparecer no sistema de streaming mais perto. Tudo tecnicamente ajustado e no seu devido lugar. Em geral, é melhor assim, não? Mas isso não significa que as gravações não sejam interessantes para um determinado segmento de consumidores. Esse público, que se interessa pela estrutura de produção de um disco, como o público de Jazz, por exemplo, tem a curiosidade em saber quem são os músicos, como foi o processo de gravação, qual foi o estúdio e como a música gradativamente evolui.
Os produtores de Esperanza Spalding, ou até mesmo a própria artista, tiveram a sacada desse conceito, como é evidenciado no próprio projeto do álbum.
“…as criações que vem de nós estão em sua maior força, em sua maior potência, no momento em que elas emergem.”
Com esse conceito em mente, Esperanza e sua equipe se propuseram a algo ousado: criar um álbum em apenas 3 dias. E, pra melhorar ainda, fazer um live stream de todo o processo. Numa espécie de Big Brother musical, Esperanza compõe, arranja, dorme, come e grava em frente às câmeras. Com dia e horário marcado, a transmissão seguiu a criação de Esperanza e seus músicos por longas 77 horas.
Conhecendo a internet, dificilmente uma ação desse tipo não está vinculada direto com uma estratégia de divulgação do CD. Um conteúdo desses atrai o público para o projeto. No linguajar do marketing digital, engaja a audiência. Além disso, está difícil conseguir acesso à Exposure. A edição é limitada a apenas 7.777 cópias, todas físicas. Isso, no linguajar das vendas, é criado para gerar “escassez” e urgência para a compra. Tá acabando, compre logo!
Isso é excelente!
O artista precisa de divulgação e vendas para continuar fazendo seu trabalho. E, num mundo de tantas opções, precisa inovar, criar. Coisas que não faltam à Esperanza e que se justifica no próprio processo:
“Ter um tempo tão limitado para escrever e gravar irá nos forçar a confiar na improvisação e no instinto primário.”
Com quase 500 mil pessoas em sua página no Facebook, fica fácil imaginar a repercussão dessa estratégia nesse público. Mas a premissa é muito interessante também. Faz parte de Exposure criar tendo como ponto de partida o próprio processo artístico. É um belo momento, de fato.
Exposure
Agora vamos falar do que realmente importa: as músicas. É realmente um grande prazer falar de Exposure em termos musicais. Em sua grande parte, são músicas riquíssimas em conteúdo e beleza. Passeando pelo Jazz, pelo Rock, pela África, pela beleza e pela poesia, Esperanza consegue explorar novos lugares.
Fica claro nas composições como suas aptidões, sejam vocais ou instrumentais, tornam a sua música mais completa e original. Com melodias e arranjos vocais muito especiais e linhas de baixo potentes, Exposure é um álbum para se ouvir de início ao fim com muito prazer.
Já na primeira música, Swimming Toward the Black Dot, Esperanza mostra a que veio. Música marcante, a primeira faixa passa longe do que se ouve geralmente no Fusion ou no Jazz Vocal. Graves criativos e arranjos vocais com melodias complexas normalmente não se misturam no dia-a-dia musical. Muito menos jazz com melodias e ritmos da mãe África, como é o caso da segunda e belíssima música: Public Trance It.
E a beleza não para. Colonial Fire é uma canção para não se esquecer. De melodias, timbres e arranjos significativos. Ela faz uma ponte linda entra as músicas anteriores, mais fortes, e com a delicada Coming to Life, com participação da especial Lalah Hathaway. Em uma balada instrumental, a voz macia de Lalah encontra o contraponto grave de Esperanza. Mais uma vez, Esperanza mostra sua bela presença no baixo acústico. O bem executado violão de Matthew Stevens vem completar o arranjo da música.
Em outra música em destaque, The Ways You Got the Love, ouvimos um belo dueto entre Esperanza e Andrew Bird, que prova um pouco a abertura e o apreço da artista pelo indie rock. Indícios disso já apareciam na primeira música do álbum. Em uma música leve e divertida, Esperanza e Andrew brincam com a canção e a melodia.
Heaven in Pennies
Porém, é na terceira faixa, Heaven in Pennies, que encontrei o maior ponto de contato entre o conceito do álbum e os aspectos musicais. Com participação de Robert Glasper na composição e no piano, a música exemplifica bem o conceito de Exposure. Ainda antes do lançamento dos Cds e Vinis, esse foi um dos vídeos mais populares sobre o álbum. Esse pedaço da transmissão ao vivo, praticamente na metade das 77 horas de gravação, encontramos o que deve ser o take de referência para gravação da música. É um momento nitidamente especial. Vemos no vídeo o nascimento de uma bela música.
Na versão ao vivo em estúdio existe uma beleza ainda mais particular no piano de Glasper. A harmonia, que provavelmente também conta com a colaboração do pianista, traz algo muito particular à canção. Não é apenas mais uma música no mundo. Mas são as indicações precisas de Esperanza e seu solfejo apaixonado que guiam a música e que tira um sorriso de todos no final: deu certo.
Assim, em Heaven Pennies, fica claro que as justificativas conceituais do álbum não são apenas uma estratégia de marketing. Ouso afirmar inclusive que, sim, a versão ao vivo possui qualidades que superam sua versão no CD. Existe uma veracidade estampada. A iniciativa da transmissão foi muito feliz tanto em divulgar o álbum, quanto em registrar um momento particularmente encantador nesse processo artístico: o ato de criação.