***SPOILER ALERT*** Retorno de Curb Your Enthusiasm, do co-criador de Seinfeld Larry David, agrada a fãs ansiosos. A série manteve o estilo de filmagem e improvisação
Depois de um hiato de 6 anos, Larry David voltou a exibir a sua loucura em 10 episódios no HBO. O lendário humorista e escritor seguiu a mesma receita que fez da série sua marca registrada desde 2001. Aliás, receita bastante parecida com o que ele havia feito em parceria com Jerry Seinfeld em “Seinfeld”. A receita é simples: Larry faz alguma bobagem, se mete em alguma confusão ou simplesmente cisma com algo. Ao longo do episódio, aquele incidente dita o enredo e volta a o encontrá-lo no clímax. Para que mudar o que dá certo há 30 anos? Não é sequer possível criticar Curb por falta de originalidade, pois mesmo dentro do formato repetido, as aventuras de Larry são sempre originais.
Se nas temporadas passadas, houve desde conflitos com kamikazes japoneses, passando por confusões entre sobreviventes do Holocausto e sobreviventes do programa “Survivor”, brigas entre judeus e palestinos por causa de frango e até uma fake reunion de Seinfeld, também não faltou loucuras para a nona temporada. O arco geral da mesma girava em torno do musical que Larry David escreveu, “Fatwa”, baseado na história verídica do escritor Salman Rushdie, o escritor indiano que foi vítima da Fatwa, uma ameaça de morte feita pelo próprio Aiatolá Khomeini. No entanto, quem também acaba sendo vítima da ameaça do Aiatolá é o próprio Larry, ao fazer piadas sobre ele no programa de Jimmy Kimmel.
Apesar do passar dos anos, nada parece ter mudado na rotina do comediante. Ele ainda está solteiro e convive com seus amigos de sempre: Marty Funkhouser e sua voz gutural. Ted Danson, que começa um romance com Cheryl. Jerry Lewis e suas roupas pretas. Além é claro do seu casal mais próximo, o empresário Jeff e sua temperamental esposa Susy.
Ele também ainda vive com seu eterno hóspede Leon Black. Leon é um personagem cuja existência parece ser um complemento perfeito no universo malucamente hilário de Larry. O negro bon-vivant que mora de favor e vive às custas de Larry David, sem fazer nada em troca. Ainda assim, ele traz com ele toda a sua cultura afrodescendente. Sempre vestido como se estivesse em um filme de Spike Lee, falando com gírias e falando de qualquer assunto sem nenhum filtro. A estereotipação do principal personagem negro da série pode ser vista por maus olhos por muitos. Mas Curb é comédia, e nos dias de hoje, no universo do politicamente correto, a série se destaca por ser uma categoria única: comédia clássica.
Não se engane, Curb não é pastelão. Muito pelo contrário, a série explora com inteligência assuntos sérios e sensíveis, como as próprias questões da islamofobia e racismo. Leon é estereotipado, assim como os personagens homossexuais, judeus, brancos, cristãos, atores, serviçais e assim por diante. Larry David vê nos estereótipos a comédia e é daí que sai a principal força da sua própria personagem. Rodeado por estereótipos, o Larry David da série pode usufruir de suas loucuras tranquilamente, gerando até um efeito contrário: forçando os próprios personagens ao seu redor a fazerem parte de sua loucura.
As discussões pequenas do dia-a-dia viram análises comportamentais. Um exemplo disso nesta temporada: no episódio “Never Wait for Seconds” (Nunca espere para repetir), um faz-tudo latino conserta algo em seu escritório. O homem fala inglês com sotaque forte, usa macacão, é simpático e humilde. No entanto, ele se revela um “tip flipper”. Ou seja, ele recusa a gorjeta de Larry para que possa usar como um crédito futuro para outros fins, como assistir o jogo de futebol da Argentina no escritório de Larry e ir nadar com sua família na piscina da casa do clube. O próprio Larry David esclarece, “eles não vão te deixar entrar no clube, eles são racistas”. O comediante sabe que é justamente colocando personagens esterotipados saindo de seus lugares comuns para entrarem na paranoia e nas manias do protagonista, aonde se encontram as risadas.
Dois momentos hilários valem ser mencionados e os dois envolvem garçons. O garçom do clube de golfe que não consegue imitar a reação do chef, como Larry havia pedido e o garçom que não consegue responder nem qual é a cor de sua gravata sem floreios. As situações do dia-a-dia que nós sequer paramos para pensar, mas percebemos e quando nos mostram na televisão com certa hipérbole, rimos livremente. Foi assim que Seinfeld se tornou a maior série de todos os tempos. Larry David é tão expert nisso que consegue criar expressões idiomáticas baseadas nessas situações, como “outfit tracker” (algo como, monitorador de roupas), que são aquelas pessoas que observam se nós repetimos roupas. O uso inteligente da língua inglesa com é um dos trunfos do autor.
Mas Larry David, que tem duas filhas jovens, ao contrário do que aparenta na ficção, é um homem antenado nas tendências. Talvez o melhor episódio seja “The Accidental Texto On Purpose” (A mensagem acidental de propósito). Como diz o título, ele inventa uma solução para problemas entre pessoas: enviar uma mensagem de texto fingindo ser para um amigo, mas na verdade para a pessoa com quem quer se desculpar, dizendo o quanto havia se arrependido de ter machucado aquela pessoa. Sejamos francos, quem nunca?
Outra tradição de Curb que se manteve foi a participação especial de grandes nomes fazendo versões exageradas de si mesmo. A série já contou com Mel Brooks, Martin Scorsese, Michael J. Fox, David Shwimmer entre outros. Dessa vez, foi a vez do fenômeno da Broadway, Lin Manuel Miranda, fazer a sua participação. E Lin não decepcionou. Ao ser perdoado da Fatwa, um comitê islâmico diz a Larry David que a única condição para que ele possa fazer o musical Fatwa, é se Lin estiver no elenco. O criador do musical Hamilton concorda, mas ele se mostra egocêntrico e autoritário, tomando conta do show e jogando Larry para escanteio. Lin Manuel sempre teve uma imagem do garoto prodígio dos musicais, humilde e genial. A escolha de colocá-lo como egocêntrico, ainda que simpático, resulta em muitas risadas.
Também é interessante ver outros atores famosíssimos, que poderiam participar da série como si mesmos, mas participam em papéis. É o caso de Bryan Cranston, o nosso eterno Walter White e Lauren Graham, nossa Lorelai Gilmore.
A temporada termina como começou, com Larry David cantando “Mary Poppins”. Sem musical e ainda perseguido por um muçulmano que não sabe que a Fatwa havia sido anulada. Mas esse é o dever de Curb, fazer rir e pensar. Pelo menos até a 10a temporada, que já está sendo produzida. Um bom assunto para situações de “stop and chat”.