Dan Brown sabe a origem de seu sucesso. Depois dos estrondosos sucessos de “Anjos e Demônios”, “O Código da Vinci”, “Inferno” e das adaptações cinematográficas dos mesmos títulos, basta Brown soltar um livro no mercado que as listas de mais vendidos mundo afora se abrem como o Mar Vermelho para que seus best-sellers atinjam o topo com facilidade. O escritor norte-americano é, de fato, um sucesso.
Em parceria com sua esposa, a artista, historiadora e professora Blythe Newlon, o escritor conseguiu construir uma receita vitoriosa para suas publicações. Thrillers, que se passam dentro de 24 horas, com um amigável personagem central lidando com questões sensíveis e polêmicas e com uma gota de eruditismo. Robert Langdon, o tal do personagem central, companheiro de Dan Brown desde Anjos e Demônios (e porque não dizer, de Tom Hanks também), é uma espécie de Tintim, porém um pouco mais nerd. Como sempre, ele está visitando algum lugar que não é o seu habitat natural – a Universidade de Harvard, em Boston, nos EUA – e por acaso, acaba arrastado para o meio de uma confusão que pode alterar o futuro e o passado da humanidade.
No caso de Origem, o slogan da obra é “De onde viemos? Para aonde vamos?”, questionamento feito pelo personagem de Edmond Kirsch, o bilionário e inovador tecnológico amigo de Langdon, que é deliberadamente inspirado em Elon Musk, Mark Zuckerberg e afins. Brown faz em Kirsch o paralelo que é o ponto mais válido do livro: os Musk e Zuckerbergs dos nossos dias, são os Newton, Da Vinci, Galileu, Einstein da nossa história. Pelo menos em termos de inovações. Não que o ponto citado acima seja uma grande novidade, mas encontra-se aí já uma prova do conhecimento que Brown tem de seu público, pessoas que não são necessariamente eruditas, mas que possuem interesse o suficiente para ler e aprender sobre história, história da arte e filosofia, já em um nível acima do senso comum. Sendo assim, quando Dan Brown coloca o ponto da importância dos inovadores da nossa geração, a sua credibilidade solidifica a questão.
A origem e o destino da humanidade, porém, não são questionamentos próprios de Origem. “O Código da Vinci” já lidara um pouco com tal questão, assim como “Anjos e Demônios “. A principal diferença, no entanto, é que neste livro, o vilão não é a religiosidade. Aí está o truque de Origem. Brown carrega a narrativa de maneira que o leitor se faz convencido de que o vilão, ainda e mais uma vez, é um bispo da Igreja Católica. Não é. Dessa vez, apesar do nome do livro, o vilão não vem do passado, mas sim do futuro. A Inteligência Artificial, personificada no livro na figura de Winston, o sistema arquitetado por Edmond Kirsch, vira-se contra todos, causando todas as tragédias presentes na narrativa, inclusive a morte do seu próprio criador. Porém, não se trata de uma traição de Winston, mas de um fenômeno de Parasitismo, em que a tecnologia se apropria do conhecimento humano para criar e expandir seu universo, eventualmente deteriorando a espécie humana. Precisamente como sugerido pelo grande inovador da ficção, Edmond Kirsch. Mas não só por ele, como por outro nome não-ficcional que tem se destacado na literatura do século XXI: Yuval Harari. O israelense, em seus best-sellers de não-ficção “Homo Sapiens” e “Homo Deus”, debate justamente a questão de parasitismo e mutualismo, indicando que a relação do homem com a terra é de parasitismo, assim como a relação da tecnologia com o homem.
Antes de Langdon desmascarar o verdadeiro vilão, inocentando o único líder religioso que ainda estava vivo, ele segue na sua missão de descobrir o código que revelará ao mundo a grande descoberta de Kirsch, acompanhado da espanhola Ambra Vidal, frente ao cenário da maravilhosa Barcelona. O eruditismo se encontra nos mistérios e nas obras de arte que Langdon e Vidal tem que desvendar para chegar ao código.
Obras de artistas como o escultor Richard Serra, o poeta Willian Blake e principalmente, a arquitetura e espiritualidade de Antoni Gaudí. Langdon é sempre a vertente intelectual, deixando Winston como a enciclopédia e fonte de informações da equipe e restando a Ambra Vidal ser nada mais do que a coadjuvante feminina do enredo, representando no máximo, a sensibilidade e o desespero de uma mulher duvidando de seu futuro esposo, que vem a ser o príncipe da Espanha. É difícil apontar, na bibliografia de Dan Brown, o que é mais questionável, o eventual sexismo sobre as personagens femininas ou a relação de Langdon com as mesmas. Não há profundidade explorada em nenhum personagem, de fato, mas as personagens femininas de Brown parecem limitar-se a um padrão de duas características: bonitas e bem-sucedidas profissionalmente.
As referências artísticas trazem ao leitor um universo que não é comum dentro de cultura popular. Aí, mora a força do escritor americano. Na era dos best-sellers infanto-juvenis e infanto-juvenis-sexuais, as referências à grandes obras artísticas são bem-vindas. Ainda assim, é notável a fraqueza literária da obra. Os parágrafos curtos coincidem com as frases extremamente visuais. O livro mais parece um roteiro cinematográfico. Será que isso possui alguma relação com o eventual filme que poderá ser adaptado do livro? Uma maneira de já carregar o consumidor direto ao cinema, já inserindo imagens em sua mente?
A escrita ainda vem acompanhada de um apoio, uma espécie de narração que conversa com as reações do público com a obra, como é comum do espectador de hoje, que assiste algo ao vivo enquanto acompanha também pelo Twitter. Um site de notícias, que representa por si só capítulos, questiona e as vezes até explica para os mais desavisados as direções do enredo. Mas é um livro divertido. E nos leva a continuar crendo que a posição cultural do best-seller na sociedade é essa mesmo, a de um entretenimento com gotas de sabedoria.