Não é sempre que estarei escrevendo sobre filmes por aqui. Em um blog com dois cineastas, posso me comprometer na hora dos estudos mais técnicos. Porém, não é esse o objetivo do Descontexto e dessa vez existe uma história de amizade por trás do filme analisado e não estou falando dos cinco adolescentes que estão em detenção na escola.
A amizade não só é pano de fundo do Clube dos Cinco, mas também deste texto. Recentemente viajei mais ou menos mil quilômetros até Curitiba para encontrar com meus amigos Fabio e Chris. Me hospedei na casa do nosso músico favorito e de sua queridíssima namorada e por lá descobri que os dois recentemente tinham assistido “Ferris Bueller’s Day Off”, traduzido no Brasil maravilhosamente bem para “Curtindo a Vida Adoidado”.
Esse filme que não apenas marcou uma geração na década de 80, também fez parte de muitos adolescentes dos anos 90, que assistiam este filme na Sessão da Tarde. Além disso, sabemos muito bem que este filme e os outros de seu diretor, John Hughes, são cultuados até os nossos dias.
E em um momento de pura intimidade do lar, estávamos nós três no sofá escolhendo o que iríamos assistir no Netflix. E lá estava a sugestão ideal para o momento: The Breakfast Club, mais uma vez traduzido de forma espetacular para “O Clube dos Cinco”, também de John Hughes.
O surpreendente veio a seguir: nenhum dos dois tinham assistido e eu visto há bons anos atrás, não poderia ter escolha melhor…
Para quem ainda não assistiu, vai um aviso, o filme não é como o Curtindo a Vida Adoidado. E para quem já assistiu, sabe que existe uma diferença entre os dois filmes mais célebres de John Hughes.
A principal diferença está no diferente clima dos filmes. No Clube dos Cinco existe um certo pessimismo misturado com uma comédia que muitas vezes te faz refletir. No Curtindo a Vida Adoidado, é o contrário, existe um otimismo misturado com uma comédia que te faz rir por pura bobeira. Apenas um personagem do filme tem um pouco das características do Clube dos Cinco: Cameron.
Um resumo dos anos 80
O Clube dos Cinco consegue captar e transmitir o que foram os anos 80, se tornando um resumo desta década, esta que reverbera suas vozes ao longo dos anos seguintes, alcançando até a atualidade.
Para entender os anos 80, é preciso saber o que os antecederam. Os anos 60 e 70 foram marcados pelo surgimento do rock, surgimento de novas drogas e principalmente um rompimento na autoridade em cima dos jovens e das mulheres.
Um exemplo evidente desta época foi o festival de Woodstock, realizado em 1969, na transição entre as duas décadas anteriores aos anos 80. Também não podemos esquecer que a transmissão de informações começou a ser facilitada pela televisão e rádio.
Esses foram alguns dos elementos que criaram as bases para os anos 80, período que surgiu a MTV, Thriller do Michael Jackson e O Iluminado, filme de Stanley Kubrick.
Ou seja, é uma década da consolidação de todas as rupturas dos anos anteriores, o rock, a TV, as roupas coloridas, as drogas. E tudo isso pode ser encontrado no Clube dos Cinco.
O filme coloca em pauta diversos temas que até hoje são considerados tabus, tendo como fio conector a evidente diferença entre os cinco jovens que estão juntos na detenção. Todos os assuntos polêmicos são debatidos entre eles, cada um apresentando um ponto de vista particular justamente por eles serem tão diferentes um dos outros.
Para muito de nós, os anos 80 é bem familiar, como aquele primo que você não vê há muito tempo, mas tem a imagem clara em sua mente da época que ele era mais novo. A década de 80 é como esse primo para as décadas de 90 e o século XXI.
Por isso, tratar sobre maconha ou sexo na maneira como é apresentado no Clube dos Cinco pode causar um certo incômodo até hoje pela sua familiaridade, já que esses são temas que praticamente todos os jovens lidaram. O que o filme retrata é justamente esta quebra da inocência infantil, o descobrimento de novas nuncias da vida, evidenciando uma transição para a vida adulta, característica marcante da adolescência.
E esta transição foi radical para a maioria das pessoas, pois sair de um mundo onde era protegido e cuidado e chegar em um novo universo onde é necessário começar a se virar para ser independente pode deixar marcas para o resto da vida e são a formação destas que o Clube dos Cinco nos mostra.
A geração dos anos 80 assistiu seus pais e viu, quando eram mais novos, diversas mudanças no campo político. Foram muitas revoltas, manifestações populares, revoluções e rompimentos sociais. E o que restou para os jovens do anos 80 fazerem, se já pegaram uma época em que tudo já estava pronto?
A vontade era romper com algo, mas existia uma sensação nesta época que não tinha muita coisa para ser mudada, não existiam ideais que valiam a pena lutar. Por isso, um dos grandes rompimentos que esta juventude tinha era com os próprios pais. Esse é um tema central do filme e que ainda é uma questão que os jovens até hoje enfrentam.
Os anos 80 para muitos soa como uma época um tanto quanto bizarra, uma mistura de elementos que parecem não conversar entre si. E é isso que o Clube dos Cinco nos mostra, uma década que não foi perdida, mas que evidenciou questões da própria juventude, não apenas da sociedade como um todo. O filme nos dá um alerta nos primeiros segundos: apenas os jovens conseguem resolver seus próprios problemas, porque são eles que sabem do seu próprio sofrimento. Nada como um empurrão de John Hughes para inserir tantos temas na juventude da época e na atual.
Uma amizade de diferenças
O que um mineiro, um capixaba e um paulista que se encontram às vezes em Curitiba têm em comum? O Descontexto, este blog que hospeda este texto que você está lendo neste exato momento.
Muitas vezes são das diferenças que surgem bons projetos, mas as boas amizades surgem das afinidades. E é isso que o Clube do Cinco tenta transmitir como mensagem. Apesar das evidentes dessemelhanças entre os personagens, existem elementos em comum que eles mesmos vão percebendo e descobrindo ao passar do filme, que são as diversas lutas que a fase da adolescência impõe a todos. O que realmente marcou a geração dos aos 80 foram esses desafios que todos desta época passaram e é isso que permite a mistura entre essas cinco pessoas que vêm de grupos diferentes.
O que torna este longa interessante é este elemento que está por trás do retrato dos anos 80 que ele propõe ser. Falar da amizade e sobre o que une toda uma geração torna o Clube dos Cinco um item essencial na sua lista da Netflix. Se não assistiu, essa é a sua chance de conhecer esta excelente obra de John Hughes. Se já assistiu, vale a pena ver mais uma vez com o olhar para esses elementos que estão além da década de 80.