V for Vendetta Ideas

V de Vingança: uma HQ política

A história em quadrinhos V de Vingança (V for Vendetta) é uma poderosa e aterradora história sobre a perda de liberdade e cidadania em um mundo totalitário imaginário que evoca, a todo tempo, elementos da nossa própria realidade.

Capa V de Vingança Alan Moore
Reprodução

V de Vingança, dos ingleses Alan Moore e David Lloyd, foi publicado em dez edições, de março de 1982 a maio de 1989. Sua publicação ocorreu sob o governo da primeira ministra Margaret Thatcher, marcado por uma política autoritária e conservadora. Tempos em que o próprio Estado disseminava através da mídia o temor de uma guerra nuclear, em um cenário de profundas incertezas sobre o futuro.

Temas como a homossexualidade, ascensão de minorias, poder policial e uma infinidade de assuntos sensíveis à época foram retratados em V de Vingança, em provocação direta ao governo segundo relato de um dos autores na versão única publicada pela Editora Panini:

“Como Dave e eu queríamos fazer algo genuinamente britânico que não competisse com a enorme quantidade de material americano no mercado, o ambiente só poderia ser a Inglaterra. Além do mais, uma vez que ambos partilhávamos do mesmo pessimismo político, o futuro nos parecia soturno, desolador e solitário, o que nos garantia um conveniente antagonista político contra o qual nosso herói se bateria”.

A história se passa em uma Inglaterra do futuro, na década de 90, após uma terceira guerra mundial, assolada pelo caos. Um governo autoritário surge para estabelecer a ordem, através de manipulações políticas e ideológicas de um partido fascista, que caça direitos civis e impõe uma forte censura nos meios de comunicações, reprimindo violentamente os seus opositores.

Assim como na obra de George Orwell, 1984, em V de Vingança o Estado vigia e persegue os cidadãos. Os instrumentos da exceção são variados: toques de recolher, notícias proibidas, censura generalizada, agentes do Estado servindo como “olhos”, “ouvidos”, “narizes” e “dedos” de um governo fascista controlador. Na propaganda oficial, estampada pelos muros da cidade onde se passa a trama, lê-se o seguinte: “Força através da pureza; pureza através da fé”. A força do Estado é colocada a serviço de uma só verdade, a verdade do governo. Toda divergência é submetida a um processo violento de purificação. Aqueles que se opunham ao governo eram enviados ao que na história são chamados de campos de readaptação, onde eram interrogados, torturados e serviam de cobaias para experimentos e construção de armas biológicas.

O personagem principal da trama é V, uma figura que se apresenta sempre mascarada, sem que seu verdadeiro nome, gênero ou qualquer característica física sejam revelados. Ao contrário da versão cinematográfica da HQ, que coloca V como um homem e provavelmente em meia idade, interpretado pelo ator Hugo Weaving, famoso por ser o Agente Smith em Matrix.

V Alan Moore
Reprodução

O fato de não sabermos quem é V é essencial para a trama e o mais fascinante é que apenas pela mídia do quadrinho que é possível colocar este personagem desta maneira, sem definições, um ser completamente misterioso, apenas uma ideia.
Após uma guerra nuclear, Adam Susan, o ditador no enredo, surge como uma esperança de retorno à vida “normal”. Porém, a partir do momento que o poder soberano está nas mãos do ditador, ele revela seu caráter conservador e autoritário, normalizando a exceção na forma de um Estado totalitário e excludente.

A história está permeada por elementos simbólicos e circunstâncias que fornecem um excelente material de reflexão sobre conceitos políticos: de um lado a composição de um Estado de exceção na forma de um governo autoritário e ditatorial, de outra a luta pela liberdade travada por um anti-herói que não vê outro caminho senão o do terrorismo e o da anarquia.

Protestos V de Vingança
Reprodução

É dentro dessa crítica explícita ao governo que a imagem de V surge como símbolo de luta contra os Estados e o sistema político. Depois do lançamento da adaptação da HQ para os cinemas, as máscaras do protagonista começaram a ser vistas em diversos protestos por todo o mundo, se tornando até o símbolo do grupo Anonymous. Outro ponto de aparição das máscaras foi o movimento Occupy em diversos locais do globo: Nova York, Chicago, Madrid e outras cidades. Tudo isso aconteceu em meados de 2010, o que fez com que o próprio autor, Alan Moore, escrevesse um artigo para a BBC sobre o fato de uma das imagens de sua obra estar em diversas manifestações populares:

“Parece também que o sorriso carismático de nosso personagem proporcionou uma identidade pré-fabricada para os manifestantes altamente motivados, que incorpora ressonâncias de anarquia, romance e teatro que são claramente bem adaptados ao ativismo contemporâneo, de Indignados de Madri à Ocupação de Wall Street.”

Outro momento interessante foi ver Moore ao meio dos manifestantes (para legendas em português, é só ativar as legendas do YouTube na própria barrado vídeo:

A forma como a cultura interpretou a sua obra parece não agradar Moore, porém, devemos dar crédito aos autores de V de Vingança, que transformaram uma HQ em um símbolo de mudança e revolta contra um sistema que mostra suas falhas há muito tempo.

plugins premium WordPress