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O Heavy Metal Morreu

É fato que a maioria das pessoas pararam de ouvir metal, mas existe uma nova onda que surge para tentar revolucionar esse gênero musical

O Descontexto é um blog que não existe apenas para explicar formatos, realizar críticas e trazer novidades. Também é um espaço para o debate. E um dos assuntos que sempre gera discussões é este: o Rock morreu? O Metal morreu? O Heavy Metal morreu?

É evidente que esses gêneros não morreram, muito ainda é produzido no rock e sempre surgem bandas para nos mostrar que o título desse artigo é falso. Este será o tema deste post, que começará um tanto quanto depressivo, depois vamos para uma parte bem otimista sobre o Rock. Let’s go!

A morte do Rock

Eu adoro este debate! Como já podem ter percebido, eu sou um apreciador do gênero. Na verdade, o Rock foi uma das primeiras coisas que me movimentaram musicalmente. Digo isso porque foi uma das primeiras coisas que me fez sair de casa para comprar CDs, me fez assistir MTV por vários dias só para assistir os clipes, me fez ir nos meus primeiros shows, me fez adorar de verdade várias bandas e artistas.

O fato é que o Rock que me fez gostar de música e não serei o primeiro e nem o último a dizer isto. Além disso, quase todo mundo gosta de uma ou outra canção mais rockeira e não tem problema nenhum não ser um fã apaixonado e só ouvir quando toca no programa de música velha da rádio.

O que podemos perceber nos nossos dias é que o Rock não é mais tão consumido pelas grandes mídias como era antes. O que vemos hoje é uma nostalgia e um saudosismo pelas bandas mais famosas da história. Vez ou outra ouvimos um Foo Fighters na rádio, mas passou a época que era possível ouvir e ver Metallica na televisão.

Atualmente, aquelas bandas que conseguem um relativo sucesso comercial são as que conseguem colocar algo de pop em suas músicas. Existem bons exemplos disso: Maroon 5, Imagine Dragons, The Strokes, Arctic Monkeys ou qualquer outra banda que se apresentaria no Lollapalooza.

Lollapalooza Brazil Concert
Um dos shows do Lollapalooza (não é tão fácil achar camisas pretas) – Reprodução

Este argumento prova que o Rock em si não morreu, mas se vamos para os subgêneros que moldaram todo um estilo próprio de fazer música, começamos a perceber que talvez a morte tenha se habituado em viver com esses estilos musicais.

O falecimento do Metal

Se o Rock já não é tão consumido hoje em dia, quem dirá sobre o Metal. Esse talvez seja o estilo que mais caracteriza ou mais estereotipa o “rockeiro”. Porque muitas vezes quando falamos de alguém que gosta de Rock o que vem em nossas mentes é a imagem daquele sujeito que só veste de preto, faz o sinal dos chifres com as mãos, tem cabelo grande e bate cabeça nos shows. Esse é o famoso metaleiro, mas cadê essas pessoas?

Hoje o Metal e todos os seus subgêneros estão em uma situação mais underground, o grande público não conhece as novidades e o que está sendo produzido. Na verdade, as pessoas não ouvem mais Metal massivamente.

Particularmente observo dois motivos para isso:

  1. Não conseguiram se adaptar ao mercado fonográfico e continuaram a produzir para serem ouvidos apenas pelos mesmos fãs. É como quem gosta de vinho, sabemos que não são todos que gostam, mas aqueles que são apreciadores de vinhos fazem questão de aprender mais sobre esta bebida e ficam cada vez mais seletivos.
  2. O outro motivo é quase que a causa do primeiro, que é a onda conservadora que surgiu no Metal nos últimos anos. Um exemplo bobo para evidenciar o argumento: para muitos fãs, é quase um sacrilégio a mesma pessoa gostar de Metal e Sertanejo. Se alguma banda faz algo um pouco mais ousado, geralmente são duramente criticados por sua fan base. Basicamente o público, que já não é tão expressivo, quer ouvir só Metal na maioria das vezes

Sobre essas duas razões para o fim do Metal, posso dizer que vivi algo que me marcou particularmente. Fã desde a adolescência do Metallica, ouvia todos os CDs, assisti quase todos documentários e estava finalmente na hora de ir em um show deles. Depois de 11 anos sem vir ao Brasil, a banda finalmente chega ao país para uma turnê e eu infelizmente estava na época do vestibular. Ficou aquela sensação de que na próxima oportunidade eu iria de qualquer jeito.

Metallica Brazil
Um dos shows do Metallica no Brasil – Reprodução

No ano seguinte, já na faculdade, veio o primeiro Rock In Rio no Brasil depois de vários anos tendo shows apenas em Portugal. Essa oportunidade eu não ia perder! Comprei meu ingresso com antecipação e lá estava eu na van com mais 14 amigos em direção a capital fluminense.

Foi um dos melhores dias da minha vida, ouvi Motorhead, Slipknot, Sepultura, me surpreendi com o Coheed and Cambria e aí finalmente chegou a hora da última banda, Metallica!

O show tocou praticamente todos os clássicos, minhas músicas favoritas e muitas outras que deram o clima de show de festival honesto. Voltei para Belo Horizonte com a sensação de missão cumprida.

Agora o ano é 2013, é anunciado uma turnê inovadora do Metallica, na qual os fãs poderiam escolher quais músicas seriam tocadas entre todas já gravadas até então. Era a turnê “Metallica By Request”. O que me convenceu que estava na hora de ver os caras de novo, era a possibilidade de ouvir as minhas músicas favoritas, aquelas mais trashs, do início da carreira, que eles nunca tocam. Comprei a pista premium, e fui com mais um amigo a um Estádio Morumbi sob forte chuva em 2014.

Para minha surpresa, que hoje eu vejo que não foi tão surpreendente assim, a setlist era praticamente idêntica ao do Rock In Rio, tocando as músicas mais clássicas, todas as baladas e praticamente nenhuma dos primeiros discos. Ou seja, nenhuma novidade na setlist escolhida pelos fãs.

Era a chance única de ouvir músicas quase que inéditas ao vivo, mas os fãs escolheram as de sempre, as mais famosas. Essa frustração diminuiu quando refleti que era isso que o público gostaria de ouvir deles, as canções mais célebres e que eu queria ser o diferentão, o underground do Metallica. Era um conservadorismo ao contrário, já que não queria que tocasse as que sempre tocam. Entretanto, as pessoas que nunca viram a banda, querem ouvir aquelas músicas que mais gostam e que na maioria dos casos são as mais famosas. Bom, deve ser por isso que elas são as músicas famosas, não é?

Show Rock In Rio
Rock in Rio – Reprodução

Hoje me considero bem mais aberto aos gêneros musicais, existem lições que devem ser aprendidas pelos grandes hits que são lançados ao longo do ano e que tocam repetidamente nas rádios. São boas algumas músicas e não é nenhum problema dar esta opinião.

O Angra em seu disco mais recente, lançado em 2018, convidou a Sandy e a Família Lima para gravar uma de suas faixas. As críticas vieram com tudo da fan base pouco expressiva no grande conjunto de consumidores de música no Brasil. Esta provavelmente deve ser a melhor música do CD. E não é apenas porque o Angra abriu seu escopo e tentou se unir ao “pop nacional”. Confira a música:

Além de me abrir a novos gêneros, também voltei meus olhos ao Heavy Metal, não que eu tenha parado de ouvir, mas não queria conhecer novas bandas. Era um conservadorismo exacerbado. E nessa tentativa de buscar por novidades, descobri bandas que tem se mostrado inovadoras em suas músicas, dando uma nova vida para o Metal. E é sobre elas que vamos falar a seguir.

As novidades no Heavy Metal

É impressionante como os rockeiros gostam de criar subgêneros, dando novas camadas para o estilo musical. Dentro do Heavy Metal, criaram um novo gênero que é a “New Wave of American Heavy Metal”, que basicamente é formada pelas novas bandas que produzem um Heavy Metal diferente do que era feito antes nos Estados Unidos.

Uma delas, que é a minha favorita, é Mastodon. Coloquei ela para tocar na casa do Fabio e depois dele contar as notas do primeiro riff veio o comentário que me inspirou a escrever esse artigo: “O Metal morreu, mesmo!”

Ele não disse isso porque Mastodon é ruim, mas sim porque ninguém mais aprecia esse estilo e quando surgem bandas que de fato apresentam uma novidade, ninguém está sabendo. Em 2015, o Mastodon veio no Rock In Rio e foi recepcionado por um público apático que simplesmente estava ali esperando as bandas mais famosas.

Com os tempos quebrados de forma magistral e riffs que impressionam, o Mastodon pretende misturar Death Metal com Progressivo, possuindo uma leve influência do Stoner. Hoje, eles provavelmente são a banda mais inovadora do Heavy Metal.

Uma boa música para começar é “Precious Stones”, do último disco da banda, “Emperor of Sand”:

Ouvir Mastodon pela primeira vez sempre causa uma estranheza, não no sentido negativo, mas sim de uma forma que nos faz pensar: “o que está acontecendo aqui?”

Pode ser por esses motivos já citados, mas também pelo fato da banda possuir três vocalistas, ou seja, dos quatro membros, apenas o guitarrista Bill Kelliher não gravou sua voz como principal. O mais interessante é que cada um possui um estilo vocal diferente e por isso suas músicas ficam tão boas!

Uma das minhas favoritas é “Quintessence”, do álbum “Crack The Skye”, um CD que tem como tema os grandes czares da Rússia. Para mim, é o disco definitivo do Mastodon:

Outra banda que vem na onda do Mastodon, mas não é americana, é Gojira. Com o nome de um dos monstros japoneses mais célebres , a banda surgiu na França e é considerada uma das grandes sucessoras do Metal, a que irá ocupar o espaço dos gigantes do estilo, caso ele sobreviva…

Também com apresentação no Rock In Rio de 2015, Gojira foi mais aclamado pelos fãs brasileiros, talvez por possuírem um som menos provocativo que o do Mastodon, já que o Gojira tem álbuns bem mais agressivos. Um deles, que é um dos favoritos dos fãs, é “L’Enfant Sauvage” e a música que dá título ao CD mostra toda a potência da banda francesa:

Apenas a partir de “Magma” que a banda começou a encontrar seu ponto de equilíbrio, deixando as suas músicas mais inovadoras do que antes. O mais interessante é observar essa evolução musical da banda francesa, que não deixaram de perder a sua essência, mas trazem novidades a cada disco.

A distorção é algo característico, mas de uns tempos para cá, Gojira tem entrando mais no Progressivo e no Psicodélico, trazendo uma certa “ambientação” diferente nas suas músicas.

Uma outra banda que é menos famosa que as anteriores, mas que conquista seu lugar ao sol, provando a nós que o Heavy Metal não morreu é a norte-americana Baroness.

Algo que atrai a nossa atenção é que cada álbum é de uma cor diferente e possui o título da respectiva cor. Mas isso não quer dizer muita coisa, porque nem sempre eles conseguem transmitir o “clima da cor” em suas músicas. Mas esta é uma influência clara do seu vocalista, John Baizley, que é ilustrador e, além de estampar as capas dos CDs do Baroness, também já produziu para outras bandas de Metal.

Yellow & Green Baroness
Capa do álbum Yellow & Green do Baroness – Reprodução

Assim como as anteriores, Baroness tem muito do Progressivo, do Psicodélico, mas possui músicas mais melancólicas, variando sempre de algo mais pesado para o mais atmosférico. Suas guitarras costumam trocar notas e harmonias, deixando o seu som mais inovador e atraente. Talvez a banda mais técnica dessas sugeridas.

Um dos seus melhores discos é “Purple” e em “Morningstar” consegue expressar todo o estilo de Baroness:

Analisando mais uma banda, temos mais uma que John Baizley já ilustrou seus albúns, Kylesa. Norte-americana e da mesma cidade do Baroness (Savannah, Georgia), Kylesa também traz um estilo Psicodélico e Progressivo para seu Heavy Metal.

Kylesa se caracteriza por um estilo não muito conhecido de Metal chamado Sludge e depois que o quarteto adicionou Laura Pleasants ao grupo, a sonoridade ficou bem mais interessante. Com uma instrumentação pesada e muita distorção, suas músicas ficam completas com o forte vocal da vocalista.

Uma das minhas músicas favoritas é “Tired Climb”, do álbum “Spiral Shadow”:

A banda divulgou seus álbuns por streaming em épocas que esta mídia estava começando a ser mais popular. Hoje é considerada uma das bandas mais influentes do Heavy Metal.

A próxima banda ficou famosa por seus videoclipes, aqui estamos falando de Red Fang. Mais conhecidos pelo estilo de Stoner Metal, eles estão mais no clima da zueira, o que dá para perceber neste vídeo:

Essa é uma das minhas músicas favoritas do Red Fang, gosto de falar que é um metal clean, honesto e com essa pitada de zueira e quebra de valores que são essenciais no Rock ‘n’ Roll.

Formada no Oregon, em 2005, Red Fang çançou seu primeiro disco em 2009 e de lá até hoje, já são mais três discos, o último de 2016. Por mais que eu tenha dito que é um metal clean, a vibe que as músicas passam (e os clipes também) é de sujeira e de hálito de cerveja. A sua agressividade consegue ser equilibrada pelos acordes de bateria e baixo, já que os vocais e as guitarras são mais pesados.

Por fim, a banda que mais ouvi nos últimos anos dessas já citadas: Coheed and Cambria. Como falei no início do texto, esta é uma banda que me surpreendeu quando a ouvi no Rock in Rio de 2011.

Surgida em Nyack, no estado de Nova York, no ano de 1995, é a banda mais antiga das citadas, mas que a considero desse grupo de “novidades” porque o público brasileiro não a conhece tanto e mais recentemente que eles produziram álbuns mais consistentes.

A ideia por trás de Coheed and Cambria é recontar, em forma de música, a obra criada pelo seu vocalista, Claudio Sanchez. Mas esta não é uma obra qualquer, é uma obra de histórias em quadrinhos.

The armory wars
Uma das edições da série “The Armory Wars” de Claudio Sanchez – Reprodução

O nome da série criada por Sanchez é chamada de “The Armory Wars” e tem como protagonistas Coheed Kilgannon e Cambria Kilgannon (olha aí a origem do nome da banda). O enredo é uma ficção científica, passando por mundos criados pelo vocalista da banda.

Vale dizer que os discos lançados pelo Coheed and Cambria , até 2015 eram os mesmos títulos das HQs lançadas pela editora “Evil Ink”, cujo o proprietário é Claudio Sanchez.

Além de ser um ótimo desenhista, roteirista e compositor, Sanchez também é um excelente vocalista.

O que mais me surpreendeu quando vi a banda ao vivo era aquele sujeito com a camisa apertada no meio do palco, com o cabelo tampando toda a sua cabeça e microfone cantando com uma voz aguda, em um tom que não tinha ouvido antes.

Os méritos para Coheed and Cambria , obviamente, não estão só no vocalista. Na época do Rock in Rio, o baterista era Chris Pennie, que apesar de ser menos técnico do que os bateristas das outras bandas já citadas, dava uma agressividade única para a voz de Sanchez. É possível perceber isso na sua música mais famosa, “Welcome Home”. Oficialmente, eu ouvi essa música, desde 2011, 101 vezes de acordo com o iTunes. E talvez mais umas 20 vezes na era Spotify.

Como a maioria das bandas aqui apresentadas, é evidente a presença do progressivo no estilo musical de Coheed and Cambria. Porém, a sua maturidade musical está nos discos mais recentes.

Eles ainda não abandonaram o enredo que é apresentado simultaneamente pela HQ “The Armory Wars”, e por isso, é possível perceber que eles inseriram elementos tecnológicos em suas músicas, abandonando a forma clássica de fazer rock progressivo, e acrescentando um pouco de ficção científica em suas músicas.

O destaque da banda fica para as composições, versos e refrões. Claudio Sanchez, como construtor da obra inspiradora, consegue transpor para o mundo musical uma qualidade de composição que não é vista na grande maioria das bandas atualmente.

Deixo a música “Domino The Destitute”, que possui todos esses elementos que tornam Coheed and Cambria uma das bandas mais notórias da atualidade:

Criei uma playlist no Spotify com as melhores músicas dessas bandas, na minha humilde opinião, e que vocês podem ouvir para conhecerem mais ainda desses excelentes conjuntos que estão surgindo no cenário do heavy metal.

Um lugar ao sol

Apesar do debate, sabemos lá no fundo que o Metal não morreu, muito menos o Rock… Sabemos que ambos já não possuem tanto mais sucesso quanto antes. Porém, isso nunca impediu que novas bandas surgissem.

O mais interessante é que ainda ocorrem diversos festivais de Metal não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, encontrando um lugar ao sol ao meio de tantos estilos.

E o que as atuais bandas fazem é justamente isso, procuram seus espaços na indústria fonográfica com novidades, mostrando um lado mais refinado no estilo. As bandas que utilizamos como expressão deste movimento são de uma criatividade que antes não conhecíamos.

Wacken Festival 2017
Metal ao sol no Wacken Festival – Reprodução

A pergunta que fica é se essas bandas conseguiram não apenas o seu lugar ao sol, mas quem sabe, ser a própria estrela-mãe, fonte de energia e radiação capaz de mover públicos e marcar toda uma geração.

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